quinta-feira, 25 de outubro de 2007

E como ficou chato ser moderno. Agora serei eterno.

O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, moderno que só ele, não podia ficar “fora de moda”. Acompanhando as tendências escreveu vários textos sobre moda, em que relata de maneira surpreendente suas experiência em relação ao assunto. Outro mineiro também muito moderno, Ronaldo Fraga não perdeu tempo e ao lançar sua coleção de Outono Inverno 2005 baseada no poeta, também lançou o livro “Moda, Roupa e Tempo” com textos selecionados pelo próprio estilista e também ilustrado por ele. Abaixo seguem dois textos bem legais. Pra quem acha que moda e poesia além de ser eternas, podem também ser modernas.

Quando a primeira boina apareceu (por sinal que na cabeça gentilíssima de certa professora-aluna da Escola de Aperfeiçoamento), a cidade julgou que se tratava de um fenômeno esporádico. A cabeça era linda e mais linda ficava com o ligeiro chapéu basco caído indolentemente para a esquerda. Era um “trovaille” pessoal. Não era moda. A moda era o chapéu “cloche”, o chapéu exíguo modelando a cabeça e esticando furiosamente os cabelos – e, mais tarde, o chapéu capacete, que deixa a testa de fora e esconde o pescoço. Isto é que era a moda.
Porém, essa moda passou, veio outra, e as boinas invadiram, alegremente, a cidade. Pode-se lá viver sem boina? É o que eu me perguntava ontem, à hora mais perturbadora da cidade – entre as 16 e as 17 – quando um enxame de boinas vermelhas, azuis, amarelas, pretas, bi, tri e quadricolores passava pela Avenida Afonso Pena, colorindo a tarde e dizendo aos basbaques: “Nós somos a cor da tarde; se a nossa tinta se apagar, como é que a tarde se tingirá?” Não, absolutamente não é possível existir sem que haja boinas, muitas e alegres, enchendo Belo Horizonte e seus cinemas, escolas, jardins, sorveterias e calçadas. A boina é hoje um dos elementos de vida, não digo o principal, nem o segundo em importância, mas seguramente um dos mais importantes, e dos mais amáveis também.
Um amigo a quem comuniquei esse meu entusiasmo pelo gorro de cores fortes, que as nossas patrícias estão usando unanimemente nestes dias quase frios de abril, torceu o nariz e pediu licença para achar a boina um chapéu vulgaríssimo. Claro que não concedi tal licença. Ele retrucou que a boina dá às fisionomias femininas mais interessantes um ar cirúrgico e tauromágico de Dr. Assuero, o que é lamentável. Que a boina só é admissível para colegiais, à entrada e à saída da escola (como os coupons das cadernetas de bonde), nunca para moças que passeiam ou fazem compras. Que a boina (argumento definitivo) é barata demais para ser elegante.
A tudo isso eu respondi, um pouco liricamente, que a boina é a cor, a luz, o movimento e a alegria. Se empresta a todas as moças um ar de colegial, é porque as torna mais moças ainda, e portanto não há gorro melhor do que esse. As nossas patrícias não têm culpa de existir, na Espanha, um médico operador que não podendo ficar célebre de palheta ou chapéu-coco, teve de recorrer à boina para conquistar o aplauso público. E rebatendo vitoriosamente o último argumento, lembrei que a boina é graciosa demais para ser barata.
Nisto, vinha passando uma boina azul sobre uma cabeça loura – e o meu amigo mostrou concordar tão fundamente comigo que eu me retirei antes de vê-lo perpetrar um soneto. Um soneto ou qualquer outro crime inafiançável.

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.

Um comentário:

Anônimo disse...

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