quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Poderoso Oskar



Ele escala o Himalaia, pratica snowboard nos Andes e surfa no Taiti. Não gosta do perigo, apenas do belo. É médico, estilista, pai, marido e empresário. Ele é Oskar Metsavaht, proprietário da Osklen, uma das marcas brasileiras mais bem sucedidas no mundo que mistura arte, gosto que aprendeu desde pequeno com a mãe, esportes, fruto da influência do pai, além de tecnologia, natureza e sustentabilidade.E pensar que tudo começou com uma loja de casacos de neve em Búzios! Isso porque o jovem médico esportista Oskar Metsavah, do alto dos seus 25 anos, tinha o estranho hábito de criar casacos de neve para as expedições que fazia com os amigos. O hobby virou Osklen, marca com lojas em cidades como Tókio, Milão, Roma e Nova York. Em passagem recente por Belo Horizonte, para palestra sobre Moda e Sustentabilidade no Centro Universitário UNA, Oskar Metsavah contou um pouco sobre si mesmo, declarou-se apaixonado por tudo que vem de Minas e até descreveu como seria uma coleção inspirada no Estado. Tudo no melhor estilo Osklen.

Sua experiência como médico e praticante de esportes radicais foi a base do começo da Osklen. Como isso aconteceu?
Medicina é uma arte. O médico é um observador do comportamento humano. Do corpo e da psique, o verdadeiro médico é holístico. Isso é que me deu essa experiência. Aquela coisa de analisar o mínimo e criar o diagnóstico. O mínimo é pesquisar materiais, formas, o diagnóstico é chegar à conclusão de sua coleção, e a terapêutica é a estratégia para desenvolvê-la. Isso cria uma certa metodologia.

Como isso te ajuda na moda?
Me ajuda na moda dessa forma. Moda não é só imaginar. Moda é você imaginar e depois de identificar aquilo que observou, misturar tudo, e aos poucos ir criando. Você vai identificando os sinais e sintomas. Depois de juntar tudo de uma forma não matemática, de uma forma lógica mas artística, você começa a criar uma estratégia que é desenvolver a coleção. A outra coisa é que eu não tive uma formação em Design. Eu não tive uma formação de moda. A minha mãe é professora de História da Arte e cursou a faculdade de Filosofia. A minha família materna é de Milão, e eles eram de artistas plásticos e músicos. Então a arte está dentro da minha família.

Foi uma coisa natural...
É cultural. Desde pequeno eu fui sempre envolvido nisso. Eu ajudava a minha mãe a preparar as aulas de História da Arte. E do meu lado paterno, vem a coisa de esporte e da natureza. O meu sobrenome Metsavaht significa em estoniano e finlandês “guardião da floresta”. É muito bacana a história. E a Estônia é o país do mundo que tem a maior área de florestas milenares preservadas. Graças aos Metsavaht. Isto eu descobri quando estive na Estônia agora, porque eu sou Cônsul Honorário de lá. Eu sabia o que significava, mas não sabia que tinha essa história toda. Eu tenho parentes na área ambiental, sempre tive amigos, sempre fazia as minhas expedições, foi uma coisa muito natural. Quanto aos esportes radicais, eu não acho que sejam esportes radicais, são esportes ligados a natureza. As pessoas acham que eu faço esportes perigosos. Eu não faço.

Mas é perigoso, não? Escalar o Montblanc que nem você escalou, por exemplo...
Não, é facil. Eu não vou a lugares que tenham perigo. Eu não faço questão nenhuma de morrer.

Você não sente prazer com o risco?
Não. Eu tenho prazer em lugares belos, tenho prazer de descer montanhas surfando de snowboard, montanhas onde tenham a neve mais perfeita, por isso que eu vou ao Alaska, vou aos Andes, ao Himalaia. E tenho prazer quando eu vou para esses lugares de mergulhar na cultura local, nas filosofias locais, conviver com aquilo e ainda fazer o que eu nem chamo de esporte, porque para mim surfar numa montanha é desenhar em um papel branco.


A Osklen começou através da confecção de roupas técnicas, flertou com o sportwear até chegar à moda propriamente dita. Como foi essa transição?
Foi pensada naturalmente. Não uma estratégia, até porque a Osklen é uma expressão do meu estilo de vida. Acho que o sucesso da Osklen é que ela tem o criador e ao mesmo tempo o empresário. Eu tenho uma liberdade de criação e uma liberdade econômica muito grande. Ela começou com os casacos de neve e as bermudas de montanha, era o início dos esportes de aventura, em 90. Daí em 96 comecei a fazer roupa de surf. Para fazê-la eu criei um novo tecido. Fui para o Taiti, que é o sonho de todo surfista, fiquei testando as bermudas, foi muito inspirador. Voltei, comecei a fazer o surf com o tecido novo, uma qualidade acima do que tinha no mercado, com estampas completamente originais, e com a diferença de já ter usado de verdade. Então quando a Osklen entrou no Surf eu sempre tive muito preconceito de fazer roupa feminina. Quando eu era médico e comecei a fazer roupa todo mundo tinha preconceito. E quando eu fazia roupas técnicas e comecei a fazer roupa de Surf tinha também um preconceito. Este mesmo preconceito que houve quando eu comecei a fazer moda, moda de verdade. Daí no início do ano 2000, o Robert Forrest [consultor de moda britânico] esteve aqui pela primeira vez, viu um desfile que eu fazia esporadicamente no Rio de Janeiro. Eu tinha feito um hippie chic misturado com surf, anos 70, peguei e fiz uma saia com uns tecidos indianos, um vestido e uma saiona para umas modelos entrarem juntas. Só para complementar, para dar o ar indiano dos anos 70. Ele viu o desfile, adorou, foi lá atrás e disse assim: “Oh Oskar eu vi o SPFW, mas eu só vi cópia da alfaiataria européia e da iconografia americana. A primeira vez que eu vejo uma coisa original, própria, autoral, de cara de Brasil e de contemporâneo também, foi você. E o seu feminino é ótimo, maravilhoso!”. E eu falei pra ele assim, “eu não faço feminino!”. Ele na hora sugeriu que eu fizesse um feminino para vender, que ele tinha certeza que várias amigas dele usariam minhas criações.

E foi, é fácil criar para mulher?
Não, não é fácil. Criar para o homem eu sempre faço o que quero vestir. Eu sei ver uma mulher elegante, uma mulher moderna, sensual para mim, no meu estilo, mas é difícil, porque eu não desenho. Então comecei a tentar muitas coisas, porque o homem vê a mulher um pouco diferente do que a mulher gosta de vestir. E daí fui desenvolvendo, junto com a minha irmã, que é artista plástica, e a Juliana, minha assistente de design, as roupas. Para mim a sensualidade da mulher é muito maior no colo, nos ombros e nas costas, e não no decote. Mas às vezes tinha problema na hora de desenhar esse decote, porque vazava no peito. Mas a partir disso eu fui criando a minha própria linha de estilo e evoluindo em cima dela, dessa forma. Mas foi muito difícil. Eu nunca faço uma coisa assim de uma hora para outra. Não, eu vou exercitando. Começo tudo com um papel branco e um risco preto. Então mergulhei totalmente no minimalismo. Eu tenho que exercitar o meu design. Foi uma fase. Aquela coisa: Você é Rio de Janeiro, é cor, é alegria. Eu não sou Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, eu sou o Oskar. É um exercício meu. As pessoas categorizam você por um desfile ou pelo que imaginam que é. É um exercício que eu fui passando. Eu disse assim, não sei, estou experimentando. Eu não sei em quanto tempo vai passar essa fase minha. E fui mergulhando.

E a Osklen agrada não só ao Brasil, mas ao exterior também.
Você soube do Marc Jacobs? Marc Jacobs foi à loja em Ipanema e comprou. Ele vestiu um look inteiro da Osklen. A roupa inteira, não uma peça. Quando você veste o look inteiro você está vestindo não a roupa, um estilo. Ele vestiu o estilo de um estilista, que é um significado muito completo.

E essa internacionalização foi natural? As pessoas vieram até você ou você foi até elas?
As pessoas vieram até mim. Porque eu não tenho capital para investir lá fora. Elas que vieram.

A Osklen é uma empresa que apóia o desenvolvimento sustentável. Como é que você acha que a moda e sustentabilidade podem andar juntas?
Antes de tudo, moda é expressão de comportamento contemporâneo. Então a ecologia está presente na vida de todo mundo. A moda é um instrumento para criar desejo e tendência. Ela tem uma certa força na hora de falar com a sociedade Se nós a utilizarmos como instrumento para dizer isso é cool, isso é belo, isso é moderno, fazemos uma campanha política através da moda. Então eu vejo dessas duas formas. E a terceira é a moda como um instrumento do fomento e de desenvolvimento da qualidade desses produtos de materiais e origens sustentáveis.

E quanto ao custo disso? A Osklen é uma marca cara.
Não é. Caro para mim é aquilo que custa mais do que vale. Primeiro, a Osklen não copia nada de fora. Muitas empresas brasileiras viajam, compram tudo lá fora e mandam copiar. É muito fácil. O custo de desenvolvimento de projeto é muito pequeno. Nós não, a gente desenvolve. Cria. Sai do zero. Então é um custo muito alto. Outra coisa: eu procuro usar os melhores materiais possíveis, que nos mínimos detalhes já ficam mais caro. Terceiro, a gente tem exclusividade. Tem peças com a quantidade muito pequena. Não existe mágica de fazer uma coisa com qualidade internacional, originalidade e com uma certa exclusividade com preço mais acessível. E o que prova isso é que a gente tem loja em Tókio, Roma, Milão e Nova York. Se nossos produtos estão sendo aceitos nesses lugares é porque a qualidade deles é melhor do que as outras marcas que estão aqui e não conseguem entrar neste mercado.

A sua marca é muito aceita aqui em Minas. Por que você acha que os mineiros gostam tanto da Osklen?
Eu adoro muita coisa de Minas, da comida a personalidade do povo, eu gosto da auto-estima do mineiro, e de toda a história, inclusive da história da arte. O mineiro para mim é o povo mais fashionista do Brasil. Culturalmente, desde que eu comecei com a Osklen, faz dez anos agora, eu observava isto. E isso é bom. O que é fashionista? Tem gente que acha que é pejorativo, mas na realidade não, é cultura. Você entender de música, de arte, de moda é uma forma de cultura. Eu acho o mineiro mais rico culturalmente em moda, é o povo que mais entende do assunto.

Você acompanha a moda mineira? Tem algum estilista que você gosta?
Gosto do Ronaldo Fraga, da Teresinha Santos. Conheço o Viktor Dzenk, gosto, acho bacana a Graça Otoni também.

Se você fosse criar uma coleção com o tema “Minas Gerais”, de onde tiraria inspiração?
Do minério, da história do minério. Eu já pensei nisso. Eu iria a jazidas, pegaria os cristais, os minérios, de repente jogaria uma luz neles, veria o que refrata, o que forma, ver como é a composição de todos eles, deve dar um padrão interessante de estampa, talvez até de forma também, de laser em um vestido. Junto com isso eu misturaria os minérios, que eu acho que é uma coisa dura, com todo esse barroco de Ouro Preto, Tiradentes. Essa parte artística, muito orgânica que é o barroco, com essa coisa até dura do minério, da forma, de tudo. Acho que daria uma coisa interessante.

Mais algum plano para a Osklen esse ano?
Abro loja em Miami, em um dos projetos de moda mais interessantes dos Estados Unidos. Chama 11 11 Lincoln Road. É um projeto arquitetônico dos arquitetos Jacques Herzog e Pierre de Meuron, que fizeram a loja da Prada em Tokyo, o estádio de Beijing e a Tate Modern. Fui convidado para participar do projeto junto com as lojas âncoras como Stella MCartney da Adidas, a Mac Cosméticos e a Taschen Books.
*Entrevista publicada na revista Season 10